Wednesday, October 3, 2012

shelter



no quarto estão espalhados restos de sol que atravessam timidamente os estores, sobre a cama restam corpos cansados de vida. de nada fazer. de ócio. de vicio.

suores misturam-se e sente-se no ar o peso da noite, em camden vive-se devagar, sem pressas, apenas com a vontade de viver por viver.

com a certeza que camden é hoje aqui mas amanhã poderá ser noutro lugar, com outras virtudes e anseios, e alegrias nos olhos.
onde as gaivotas sobrevoam as ruas e riem-se dos nossos risos.

Monday, August 27, 2012

+


Tudo vira quando menos se espera.
Onde acaba a racionalidade e começa o limbo do querer. Um querer maior, cheio, completo.
Em camden street, há sol e gente a assobiar para o ar, com sorrisos vincados e olhos de vida.

Simples, Isto.

Tuesday, August 21, 2012

open letter



os fios de ouro que ficaram espalhados sobre o branco já foram.
Camden street está hoje vazia, desalmada, porque a alma essa foi atrás.
lá, onde as nuvens tapam o céu e onde os prédios são cor de chumbo vive a luz.
tomara que este formigueiro que me apodera, não se transforme em algo de dimensões titânicas

Nesta guerra dos dois dias, não existem vencedores nem vencidos. Apenas o silêncio fica. Contam-se as perdas e os ganhos. Ambos ganhámos.

Saturday, August 4, 2012

inpollūtus



Seria hoje. O dia em que sonharia contigo. Se fosses real. Se a realidade tivesse forma.

Thursday, August 2, 2012

two steps



No exacto momento em que a lua se enche para a ver, é quando ela se afasta.
A ingratidão é algo feio mas necessário mesmo quando se fecham todas as portas e janelas.
Lola está hoje mais bonita que nunca. Fica tão bem de branco.
Amanhã não choverá em camden street. Dance beautiful dreamer, dance.

Tuesday, July 31, 2012

fast forward

Do outro lado existe a inconsciência dos sentidos. A parte onde se movem todas as imagens vivas, os retratos e as outras mentiras.

Em camden street  chove, aquelas gotas pequenas, cinzentas. Do outro lado ouve-se reggae e sente-se o cheiro de erva.

Passam mulheres, homens, carros, no turbilhão da urbe, ela sente-se cada vez mais só.

Natascha é austríaca e tem os olhos mais bonitos do mundo, sabe-o, só é pena não poder ver. É cega. Não se importa com isso. Sabe que os outros a contemplam.

Lá ao fundo, estão duas gémeas sentadas, esperando pelos seus homens. Uma delas coça o joelho freneticamente, a outra range os dentes. Amam-se tanto que se odeiam. Não vivem uma sem a outra até ao dia em que uma delas fugir. Com o homem da outra.

“se não fosses tu, teria sido outro qualquer” – vira-lhe as costas e deixa a porta aberta. Ele, sentado aguarda pacientemente que ela volte. Irá beijar-lhe a testa e fazer-lhe café de cafeteira.

Nos amores quem perde são sempre os outros.

Friday, July 27, 2012

no hard feelings...

Quase que te vi os olhos, quase. Foi por pouco. Quase que te sinto o cheiro, o teu.

Quase que hoje senti saudades tuas, quase. Não é minha esta frase. Ouvia-a, cuspida para cima da mesa de um café, não fez sentido nenhum. Até hoje.

Tenho os teus livros.
Sem ressentimentos, minha cara.

De todo…

Monday, July 9, 2012

atonement



É inconsciente. A fuga, o querer ficar, não partir. Saber que não depende de ti mas de algo que não se controla. São demasiadas variáveis para que se possa ter uma única resposta. Ainda assim, acredita-se que exista.

Pega na tua mão e leva-te com o olhar fixado no fundo do mar. Assenta a mão sobre a nuca e afunda a tua cabeça junto à areia que te roça os lábios. A não oxigenação faz com que te desloques e te movas. A mão dela transformou-se em peso, em âncora, algo que te prende e não deixa respirar. Libertaste e ofegante agarras-lhe os braços tomas-lhe o corpo, a boca, e todo o mar que vos (nos) rodeia.

Monday, June 4, 2012

False Astronomy



- Daria os meus olhos para te ver só mais uma vez. Diz ela engasgando a voz.

Ele, sabendo da mentira, vira-lhe as costas e enfia as mãos nos bolsos das calças surradas. Sente a mão dela no braço. Sente-a fria. Sempre assim foi. Tal qual como ele. Frio. O céu coberto de um rosa vivo anuncia calor no dia seguinte.

- Larga-me. Peço-te que me largues.

Ela anui. Solta-lhe o braço. E deixa-se cair. Assim fica, num chão de beatas e escarros de tantos e tantos que por ali passaram.

Ele, arrastando os pés afasta-se. Sente-lhe o cheiro doce. Ainda assim não pára. Não o pode fazer. Sabe se parar, será o fim, ou melhor, o princípio do fim, mais uma vez.

Onde o céu se torna escuro, vêem-se passar aves que rumam a lugar desconhecido. Onde tudo começa, todos os dias novamente. Mesmo sem asas será para lá que ele seguirá.

Thursday, May 3, 2012

ego tripping



...e não há dia que não penses em mim.

Tuesday, March 27, 2012

honey & sugar

Passaríamos horas ao entardecer olhando os montes que nos rodeiam, na aldeia das artes calcorrearíamos as ruas estreitas de calçada larga que não nasceram para serem pisadas por calçado da cidade grande. Acabaríamos no folclore a comer paiote da serra, pão da aldeia e uma fatia divina de queijo de Seia. Entre costeletas de borrego e secretos desvendaríamos os mistérios insondáveis do prazer da mesa. Entre dedais de medronho e tarte de alfarroba com laranja, avaliaríamos os cigarros declarados à prostituição de elite terminando assim o folclore já cansado e reposto de energia.

Escutaríamos rãs, pássaros, patos e o vento nos ramos das árvores nuas, víamos a água correr a oeste na languidez do ribeiro sem força, como se parasse para nos cumprimentar, o calor da cal no branco das casas traz-nos a calma e cresce esta saudade ainda de dedos entrosados. No murmúrio da cumplicidade traça-se o plano mais-que-perfeito para que tudo o que vier venha por bem. Sempre para sempre.

Wednesday, March 21, 2012

curiosity killed the cat

maria passeava-se pela rua com o seu troféu. Tinha-o ganho a custo no concurso onde tantas outras marias tinham participado. A ostentação e o orgulho daquilo que agora era seu reflectia-se na forma de andar. A altivez, o porte e a imponência não lhe acresciam qualquer tipo de beleza. maria era uma mulher feia, desde sempre. Tinha concorrido a outras tantas competições sem nunca ter conseguido mais do que quartas e terceiras posições. Desta vez não, arrecadou para si o primeiro e único prémio. Na rua, quem passava ia comentando entre dentes o valor do mesmo, se teria sido ganho com mérito, se teria valido a pena, se agora maria iria descansar de tantos anos de competição. Com as raízes descoloradas e com ar cansado, maria chegou a casa, descalçou os sapatos, meteu a estatueta na prateleira do móvel e olhou-se ao espelho. Não viu nada. A sua face não era reflectida. Corre então à casa de banho e tenta ver-se novamente, desta feita num espelho grande em talha dourada, o mesmo resultado. A inexistência. Vê atrás de si a banheira antiga de esmalte, o vaso de gerânios, a luz que entra pela pequena janela, as toalhas penduradas brancas de algodão e do corpo dela nada. Gesticula, esbraceja, bate no espelho à espera de resposta. Nada. Cansada, senta-se no chão de mármore rosa e chora. As lagrimas que lhe escorrem pela cara aninham-se depois nas suas pernas nuas. maria reconhece o sabor amargo de quem troca a alma por aquilo que levou a passear à rua.

Sunday, March 18, 2012



Tudo muda, tudo em constante alteração e mutação. Apraz-me esta mudança, de tal forma que troco tudo por nada. Minto. Troco nada por tudo. Pelas vidas. As nossas, numa. Onde deixei o meu pensamento que me levem para lá os sonhos.

Friday, March 16, 2012

You Are Welcome To Elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam

e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós

e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras noturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos conosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o
amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

Mário Cesariny de Vasconcelos

Monday, March 5, 2012

unknown beast

Encontra-se parado a olhar o que acabara de fazer. Mulher, filha e neta jazem pelas diversas assoalhadas onde já se ouviram risos e choros. Tira ilações daquilo que fez, se racionalidade existisse num vil acto destes pudesse ter tido como racional. Tudo aquilo que sente é rigorosamente nada. Como se a palavra nada pudesse conter tudo o que há de mais pérfido num ser. Esse mesmo ser que foi esposo, pai e avô, que foi respeitado e admirado talvez. No momento do primeiro acesso, no primeiro golpe, que imagem terá ocorrido? A brutalidade animal que lhe inundou os sentidos deixou-o admirar a obra? O mesmo procedimento maquinal para com todas as outras, terá sido deus por instantes? Um deus maligno que ceifara vidas a troco de quê? Repete-se a mesma dúvida vezes e vezes sem conta. Porquê?

Wednesday, February 22, 2012

hearts

e cruzámos a vida uma e outra vez, até à lua grande, a tua lua. Na estrada com a manhã a nascer, sorrio ao lembrar-me do teu sorriso, nada muda. Nada. Deixo-te e fica uma parte de mim, na cabeça habitam os sabores, os cheiros, a vida. As palavras, essas que brincam e saltam das bocas, que nos arrancam risos são os mesmos de sempre. Nada muda, nada. Queremos mais, queremos tudo, porque sim, é direito adquirido. E o tempo que não passa, que pára, quando não estamos e que voa quando encontramos o olhar. Se pudesse partiria todos os relógios apenas para não mais ter de te deixar. Vives em mim da mesma forma que vivo em ti. Para sempre.

Wednesday, December 28, 2011

SW cliffs

- acabou por ser diferente. disseste semicerrando os olhos, vislumbrando todo aquele mar à frente, agitado como nós, parados mas não descansados, sentindo o peso de tamanha força em constante mutação. sabia que nunca mais te iria perder porque já eras parte integrante de mim como qualquer órgão vital. sentia-te o cheiro entre o mar, a terra molhada, as giestas. aproxima-se ao cheiro das pedras, o teu. na amplitude de todos os nossos míseros sentidos, temos a certeza que este erro é a coisa mais certa que nos aconteceu. no lugar comum de que te conheço desde sempre, embora tivéssemos trocado meia dúzia de frases nunca acabadas e que os co(r)pos tivessem falado mais alto, sempre com o desdém de quem tudo merece, assim ficámos até que o olhar se torna noite e que o azul dos teus se funde no negro dos meus.

Monday, June 20, 2011

geometry lesson

Passou por ele numa perpendicular perfeita, um passo à frente teriam chocado e talvez nascido aquilo a que se chama paixão. Ficariam expectantes observando-se entremeando com pedidos de desculpa mútuos e olhares tímidos. Bastaria um passo à frente para alterar a vida a estes dois seres à beira de alcançar aquilo que a maioria da humanidade anseia, fantasia, receia. Se por um momento num acto de coragem/cobardia, ele ou ela indiferentemente, tivesse parado um passo, neste exacto instante poderia estar a ser concebido um filho, celebrado um casamento ou apenas um passeio de mão dada junto ao rio.

Passariam a noite de núpcias num quarto de janelas largas, suspirariam em pensamentos largos de esperanças acreditando sempre que seria para sempre.

No outro lado da vida ela sabe que ele existe e dessa forma o deseja profundamente, estupidamente ou não, ela continuará a atravessar todos os dias linhas perpendiculares sempre atrasando/adiantando um passo.

Num final de tarde já cansado, ele deixará cair os braços antevendo por mais ângulos de 90° que surjam em frente aos pés ficará sempre a um passo…

Tuesday, May 3, 2011

Sertindol life

Sonhaste que eram cinco horas. Cinco horas em ponto quando abriste os olhos e entre as frestas dos cortinados de cetim púrpura já queimados pelo tempo viste o fim da noite. Lá fora a azáfama da rua do bairro velho era ainda branda. Não tornarias a sentir o cheiro desta manhã para o resto da tua vida. Como se pelas narinas entrassem odores que te transportavam ao colo da tua avó preta. Avó preta porque nunca lhe conheceste outra cor. Nas vestes, nos olhos, no terço que a acompanhava, mas principalmente na alma. No dia em que recebeu o telegrama anunciando a morte do filho, a sua alma tornou-se preta, como se num forno a tivessem posto e lá ficasse até enegrecer. Passariam dez minutos até que te levantaste, sentado na borda da cama calcorreaste com os pés o chão de madeira polida sentindo os veios da cera ressequida ao longo de tantas camadas. Encontraste então os sapatos e calçaste-os sem meias. Em frente ao espelho do guarda-vestidos observaste a tua imagem. Completamente despido, apenas de sapatos, tiveste um ataque de riso que te levou às lágrimas. Saíste então como estavas. Fechaste a porta e escondeste a chave no sítio do costume. Debaixo do vaso de barro onde em tempos existiu uma lavanda que perfumava o corredor.

Na rua viste o sol crescer à tua frente, sentiste o calor no corpo.

Na unidade de psiquiatria do hospital da cidade grande, dizia-se que tinhas sido muito rico, que perdeste tudo depois de a teres conhecido. Ela.

Tuesday, February 22, 2011

trust

Seria a espera propositada? Seria o silêncio parte integrante disto a que se chama tempo?

Sem saber, Osório caminha. Caminha rumo a algo que desconhece. Osório terá 50 anos, talvez um pouco mais, dada a cara crivada de rugas e o bigode espesso que esconde a falta de dentes. Na rua, debaixo da entrada do banco ajeita os cartões que foram, são e serão, a sua cama. Osório tornou-se invisível desde que a troco de pouca coisa deixou a mulher. Quando por vontade própria decidiu morar na rua e esta consentiu, o dom de invisibilidade aterrou sobre ele. Esteja sobre e sob os cartões, seja na mercearia a surripiar um pacote de vinho, Osório desaparece.

Na noite em que o vento de norte corta como facas, Osório procura conforto num brandy manhoso que o colega de cartão roubou na tasca, enquanto o dono babava para cima do par de seios da dona Aurélia.
Após dar como terminado a sessão de brandy e três ou quatro beatas fumadas, Osório decide testar a sua invisibilidade. Levanta-se cambaleante, aproxima-se da berma do passeio, olha à sua esquerda e vê aproximar-se o 32 com destino aos Anjos, fecha os olhos e dá um passo em frente.

Friday, December 10, 2010

nonsense issue

Passei por um homem sem cabeça. Juro-te. Aliás, levava a cabeça debaixo do braço. Como uma bola. Cumprimentei-o mas não me ouviu, atravessei à sua frente e não me viu, começou-me a mexer com os nervos este homem sem cabeça. Irritam-me pessoas sem cabeça, mais ainda quando andam com ela debaixo do braço. Mais simples fazer como eu. Tenho sempre a cabeça no sítio. Ali ao lado da televisão, mesmo ao pé da tua fotografia.

Tuesday, November 30, 2010

münchen



seria apenas um beijo. apenas um, sem apelo nem agravo. sem nada e com tudo. com tamanha vontade de ti. com a vida a passar por perto e sem nada a temer. seria apenas um beijo. apenas um.

Thursday, November 11, 2010

dreamer



Talvez sonhe que é feliz.

Monday, October 18, 2010

Thursday, October 14, 2010

Monday, October 11, 2010

slow motion



Caminham pausadamente, sem pressas de coisa nenhuma. Quando a vida tende a abeirar-se da morte pela velhice deixa de ter pressas.

Monday, October 4, 2010



Ardem os olhos pela ingestão de palavras escritas, desfoco-me então do livro que me acompanha. Vejo-o ali ao lado. Ali está, pensativo, observador tanto como observado. Se nele acreditasse pedir-lhe-ia algo. Nada de transcendente ou de irrealizável, nada de mais, penso. Afasto o olhar com desdém do amontoado de betão que ali jaz. Resolvo então pedir-me a mim aquilo que lhe pedincharia.

Monday, September 13, 2010

octopus sun



Dormem ambas embaladas pelo calor do sol. Num sono profundo, sem pressa de acordar.A mãe, ainda com idade de ser apenas filha, aninha no seu colo aquele pequeno ser que agora é seu. Pergunto-me sobre os sonhos de ambas. Sonhará aquela mãe com brincadeiras de juventude, namoricos na praia, conversas de jogar fora com amigas?
Sonhará aquela filha com o calor do peito da mãe, o sabor do leite materno, os primeiros passos?

Duas crianças. Uma é mãe. Outra, filha.

Wednesday, September 8, 2010

? (It Always Had To Go This Way)



abrir os olhos, acordar, lembra-me quem sou. on repeat: What Did My Lover Say? (it Always Had To Go This Way). porque sim. sabe-me a pouco a vida, por vezes. on repeat: What Did My Lover Say? (it Always Had To Go This Way)
sentir a noite ainda na rua. ver o despontar do sol a leste. a leste. on repeat: What Did My Lover Say? (it Always Had To Go This Way)
tudo seria mais fácil se houvesse sempre sol. o sol que teima em fechar-me os olhos.
on repeat: What Did My Lover Say? (it Always Had To Go This Way)

Thursday, June 24, 2010



Jolene cruza-se na minha vida por diversas vezes. Sempre inesperada. Sempre inconsciente. Sempre de forma diferente.

Monday, March 8, 2010

into the white



Na parede branca, a luz come os corpos. Cria sombras, fazendo-as dançar ao som do tempo que passa. Teima em passar sem parar.

Thursday, March 4, 2010

nojo*



O poder é velho. Está caduco. Cheira a urina seca nas calças esgaçadas pelos assentos ocupados. Vivemos com ele desde sempre. Com este poder bafiento, ressabiado por outros tempos, em que não se proclamava a palavra liberdade aos quatro ventos da mesma forma que hoje se fala em corrupção, luvas, favorecimentos, compadrios como se fosse banal. Banalizaram-se expressões graves. Não se acredita, pura e simplesmente. Não há verdades, existem meias-verdades. Teorias conspiratórias. Caça às bruxas. Mentiras.

... e vamos andando, sem vendas nos olhos, mas cegos como toupeiras.

* nojo
s. m.
1. Repulsão do estômago; repugnância; náusea.
2. Fig. Tédio, aborrecimento.
3. Luto.
in Dicionário Priberam

Friday, January 15, 2010

lost wings

Voa baixo, como se a proximidade com a terra árida de fendas abertas tais feridas, trouxesse a segurança de um aterrar macio, engano, é confortável assim.

Sopra com raiva o vento seco que queima a pele, esferas de água saltam dos olhos rasgados e não pára. Como se do movimento resultasse a continuidade da existência disto a que pomposamente se apelida de vida. Erro. Podia estatelar-se agora, e não haveria um único relógio que parasse.

Será sempre assim, até ao momento que dos pulmões cansados já não haja uma réstia de ar que faça oxigenar aquilo que obriga a voar. Baixo, mas a voar.

Wednesday, January 13, 2010

liver thoughts

Reúno-me comigo à mesa de um restaurante, onde sou recebido sempre com um sorriso e com palavras de gente que já me conhece desde há muito. Já ali passei momentos muito bons, outros menos, muitas vezes acompanhado, outras tantas, sozinho. Enquanto me organizo vou estabelecendo pontos e metas, reflicto, inflicto, respiro, tento-me ouvir. De quando em vez gosto de comer comigo. Dá-me tempo para pensar sem falar.

Entre um trago de vinho e uma pausa, entra o indiano das rosas, ao qual cumprimento, reparo que estou ali sozinho, que sou o único naquela sala, onde a azulejaria não é o forte mas onde nada me tira o prazer de umas iscas. Ficamos por momentos a olhar um para o outro. Aquele homem que já me vendeu rosas para oferecer, onde já lhe compraram rosas para me oferecer, está especado à minha frente. Ocorre-me num repente se alguém, algum dia, já lhe comprou rosas para lhe oferecer. De certo que não. Baixo os olhos e foco-me numa isca.

Friday, December 11, 2009

walking on her shoes

Olhou em redor. Sentou-se na berma do passeio e ali ficou com as mãos entrelaçadas junto ao queixo. Terá talvez vinte anos, ou menos. Observo-a da minha varanda, não lhe consigo ver a cara mas parece-me bonita, ou melhor, quero imagina-la assim. Pára outro carro, este branco, o outro de há pouco era preto acho, não me consigo recordar. Sei que parou, ela abriu a porta, saiu, deu a volta até à janela do condutor, recebeu e o carro arrancou.

Levanta-se e aproxima-se da janela, falam, dá a volta e entra. Segue o carro branco entre o mar preso no cimento e a fábrica grande que já nada produz.

Tuesday, October 20, 2009

1st rain


Num repente surgem a imagem de velas, de vinho, de palavras secretas, de um rio cinzento-chumbo que se arrasta.
A chuva traz isto. A vontade de não-estar, de ir e não voltar. De mais velas. Mais vinho e livros carregados das nossas palavras. Só nossas.

Enquanto se fotografa tem-se na alma estas palavras

Wednesday, September 30, 2009

Lullaby

Always and forever
We'll be free
Always and forever
Be with me
We'll have love a'plenty
We'll have joys outnumbered
We'll share perfect moments

You and me

Always and forever
You will see
Always and forever
Just be with me
We'll have love a'plenty
We'll have joys outnumbered
We'll share perfect moments
You and me

You and me


By Lamb

Thursday, September 24, 2009

No domingo passado agradeceu-se a negligência de um profissional da construção civil, graças a este rumou-se a Norte, mais propriamente à Vila Morena para repasto em companhia mais-que-perfeita. Migas gatas e lombo de vitela, iguarias apreciadas com conversas e puré de maçã para quem contempla um mundo ainda tão novo. Depois, passeios a fazer lembrar outros caminhos e a sensação que é sina ter de vaguear sem rumo, olhar um mar que não é o das ostras mas sentir o prazer de apenas estar.

Já com o sol longe e numa esplanada sem rosto, o querer ouvir o que soube tão bem e ter por certo que por mais que se expliquem sentimentos estes conseguem ser expressos em tão poucas e simples palavras.

Na estrada com a noite alta, ter de ver a outra parte virar e aí sentir verdadeiramente que a vida por vezes é injusta, e que se existisse uma força maior, esta faria com que os caminhos que se dividem se tornassem apenas num só.

Friday, September 18, 2009



Fim-de-semana cheio de tudo. Carregado de vida, de sensações e sentimentos. De acordar na urbe e sentir o pulso da noite intensa anterior. De levitar sobre calçadas gastas e partir para um paraíso já ali ao lado. Onde o silêncio da noite trouxe uma manhã repleta de imagens que não se apagam. Pede-se que se repitam tantas e quantas vezes se quiser.

Monday, September 7, 2009






















Por Tudo e por Nada. Pela força que gera a vontade imensa de apenas querer estar. Pelas estrelas contadas. Pelos pés na areia quente com o empenho todo e mais algum que o tempo parasse e ali se ficasse até decidir quando ir. Na cumplicidade de quem anda lado a lado, e no roçar de um braço nu como se aquele fosse um momento único. Pelos risos e sorrisos. Aos molhes. Pela força daquele mar que leva e traz a saudade que só acaba quando se sorvem ostras na companhia certa, onde o que rodeia deixa de fazer sentido ou simplesmente inexiste. Às piadas, ao achar tanta piada quanto na alma couber. E a um Querer Maior. Ao que é pele, sal, areia, sol. A tudo o que assalta a memória, e faz ansiar por que o tempo não passe, mas que voe, que se suma, até à hora em que simplesmente os olhos se encontrem e todos os sentidos despertem para que se peça ao mundo que pare de rodar, por respeito, a duas almas que se querem encontrar.









i am you

Wednesday, July 15, 2009

leave(s)

Parte-se de um novo porto, assim que a tormenta abandona os céus.

Salta-se a medo, esperando que a queda seja suave.

Love will tear us apart já exorcizava Ian Curtis, quando a epilepsia o consentia.

E continua-se a incessante busca da tão afamada felicidade.

No meio do caos recolhem-se as partes molestadas e juntam-se, esperando que encaixem e ganhem sentido.

Seria suposto ser tudo mais simples, apenas isso. Simples.

Sunday, July 12, 2009

red

Pediste-me para parar, que já não aguentavas. Relembrei-te que ainda só tinha começado, que o melhor ainda estava para vir. Ergues os teus belíssimos olhos verdes ao tecto e neles vejo o reflexo da lâmpada que teima em falhar constantemente. Cospes-me na cara. Agradeço-te lambendo os restos de saliva que a minha língua alcança. Aperto-te mais um pouco o garrote que tens no pescoço. Tentas gritar. É em vão o teu esforço. Da tua boca de lábios finos mas vermelhos sai um chiar, que mais parece o som daquela brincadeira que fazia com os papeis dos rebuçados. Brotam lágrimas dos teus olhos que correm para o pescoço. As veias de tão dilatadas, deixam-me medir-te as pulsações. Afrouxo agora o garrote. Não quero perder-te já. Respiras com alguma dificuldade. Chamas-me nomes feios. Nem sabes o quanto gosto disso. Continua. Encosto os meus lábios aos teus e num repente arrancas-me uma boa parte do lábio superior. Sinto o prazer da dor por todo o corpo, num só arrepio. O sangue jorra agora directamente para a tua cara. Suponho agora que me vejas de vermelho. Não dizias que era a tua cor preferida de lingerie? Agora sou toda eu vermelho, meu caro. Acabaram-se as noitadas, acabou-se o putedo, porque tu nem qualidades para arranjares amantes tinhas. Aperto agora o garrote com todas as minhas forças. Vejo os teus belíssimos olhos verdes suplicarem por perdão. É tarde. Fixas então a luz da lâmpada que por fim se apaga para não voltar a acender. Sussurro-te ao ouvido: amo-te muito.

Thursday, July 9, 2009

living dead

Avançam os pés sujos descalços até ao final do balcão. Pede-me um bolo, que tem fome, anuo e digo-lhe que escolha. Pergunto-lhe de onde é. Responde-me que da Roménia. Na boca, entre bocados de pata de veado e dentes de ouro brincam palavras num português pobre. Diz-me que tem cinco filhos. Não lhe perguntei nada. Que estão na Roménia, mas que vêm para cá. Pergunto-lhe a idade. Trinta e um. Reparo nos olhos. De um castanho muito escuro, a roçar o negro. Mas o que me intriga não é a cor. É a falta de brilho. Imagino cabeças de um qualquer animal, numa banca. Perfiladas para que se escolha aquela que mais agrada. Onde a humidade natural dos olhos deu lugar à distância vítrea de quem apenas deixou ali a cabeça para ser vendida.

Monday, June 15, 2009

Pele




A brutalidade visual de um pôr-do-sol.

Friday, June 5, 2009

Nº43

Olhava-se em redor e apenas se vislumbravam sombras de braços compridos que amaciavam o chão coberto de alcatifa surrada.

Entre duas portas lá estava ele. Estático. No silêncio daquela noite perguntava-se qual delas abrir e entrar. Esperava-o algo já conhecido, quase como uma segunda pele. Sabia-lhe os cheiros e a forma como passava a mão pelo rosto.

Há já tanto tempo e ainda como se fosse ontem. Como se fosse hoje.

Thursday, June 4, 2009

Mercado

Caricato descobrir que afinal na vida tudo não passa de uma lei de oferta e procura. Oferecem-se promessas e procuram-se sonhos. De perfeição.
É capaz de ser verdade, ou talvez não.

Wednesday, May 27, 2009

Life intersections

Encontrei-o há algum tempo. Meia dúzia de palavras trocadas e pouco mais que o restaurante esperava. Senti algo que me incomodou desde aí, mas como tempo corre e teima em não parar, os pensamentos fundiram-se noutros que a vida leva pressa.

Apanhei uma conversa que não me era dirigida. “que diz, que disse, que foi, não sei, só sei...” com raiva daquilo, mais ainda por ser atroz tudo o que pudesse ser verdade.

A vida, essa que por vezes embala e serena, também traz penas de doença a alguns que a vivem com ganas de a viver.

“Tudo é um jogo.” Disse-me certa noite, numa conversa sobre posses e possessões.

Tudo é um jogo de regras ténues a beijar abismos que se abrem atrás de um olhar.


i am you

Tuesday, April 28, 2009

?

Entre aulas e trabalho. Entre exames de rotina e heranças hereditárias cardíacas. Entre tanto e ao mesmo tempo tão pouco. Mais um 25 de Abril.

Nasci um ano antes desta liberdade, portanto não conheci outro regime a não ser este.

Tive um avô comunista. Que via no Álvaro Cunhal um líder. Cheguei a ir com ele ao avante ainda no coração de Lisboa. Lembro-me de o ouvir gritar a plenos pulmões “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais!”

O outro avô era do CDS. Do tempo do Freitas. Homem que se levantava às 4 da manhã praticamente todos os dias para rumar ao talho que era seu.

Durante os verões de muitos anos, em grandes sardinhadas, na ilha que era minha, estes dois homens sentaram-se lado a lado. Comeram e beberam, riram, viveram.

Esta é a liberdade.

Friday, February 6, 2009

Thursday, February 5, 2009

Tuesday, January 13, 2009

before the storm



No olhar perdido de quem nada vê. Na mente assolada por fantasmas e demónios. Nas unhas corroídas por cigarros e dentes amarelos. Torna-se gigante. Gigante nos seus próprios medos.

i am you

Monday, December 22, 2008

Christmas Tandoori Chicken

Dois indianos discutem. De dentro do restaurante emana um perfume carregado a caril. É quase noite de inverno. Paro um pouco à frente e finjo ver uma montra. Um deles sobe o tom e gesticula bastante. O outro perde a razão e oferece-lhe uma sonora chapada. Quedam-se estáticos, de olhos colados um no outro. Pela rua ouve-se um arrastado e monocórdico Let it snow. Não há mais ninguém ali para além daqueles dois. Imagino o esbofeteado a sacar de um punhal de prata, espetando-o no meio do peito do outro e escalando-o até ao fundo da barriga. Depois limpa a lâmina na fralda da camisa e voa pela rua escura. O outro, confronta-se com o espanto e com o sangue que brota do interior. Os cheiros misturam-se agora. Enjoativo.

O esbofeteado começa-se a rir, primeiro baixo e devagar, depois alarvemente contagiando o outro. Não param, conseguem mesmo abafar o som da irritante música de Natal. Abraçam-se. Entram restaurante adentro.

Abandono a montra e sigo.

The fire is slowly dying
And, my dear, we're still good-bye-ing
But as long as you love me so
Let it snow, let it snow, let it snow


i am you

Friday, November 28, 2008

Thursday, October 23, 2008

Tuesday, September 30, 2008

Wednesday, September 24, 2008

ghost sleeper



Sobre a antiga cómoda de pau-preto de pés carcomidos, pousa uma virgem Maria sem mãos. Tem no olhar o peso de todo o sofrimento consentido neste mundo. Aos pés da cama dorme um cão que já foi novo. O homem levanta-se e enfrenta o espelho, procurando o reflexo do olhar. No canto inferior do espelho vêem-se as costas da virgem. O homem interroga-se por este facto. Ao canto um par de velhos sapatos castanhos de pele jaz, à espera de uma última saída. Talvez a última. Por baixo da base de massa enfeitada de pombas mal pintadas que sustentam a virgem, emparelham-se duas cartas. Uma conta a pagar e a outra com um remetente já esquecido há muitos anos. Noutra vida. De ar húmido pesado e águas cálidas. De gins à sombra de palmeiras curvadas sobre a marginal. De o olhar dengoso de mulatas atrevidas. De fatos de linho de Goa com cheiro a cânfora. De músicas americanas ao final da tarde com o sol a pôr-se a oeste. Noutra vida.

i am you

Monday, September 22, 2008

Autumn leaves

Deitada num banco de jardim vermelho de tinta estalada, a mulher louca dorme. Com as pernas caídas e com a cabeça sobre o braço. Na outra mão, um maço de águia. Mexe os lábios numa ladainha cantada. Apuro o ouvido e tento compreender o que lhe sai da boca. Acima dela uma árvore meia despida anuncia já o Outono que se faz notar no chão entre as folhas amarelas e laranja. Uma folha cai-lhe na cara de boca-sem-dentes e cabelos imundos queimados pelo sol. Solta o maço sobre o peito e agarra a folha observando-a. Naquele momento um sorriso esgarça-se. Num qualquer fim-de-semana de um ano bissexto, a qualquer hora de um dia sem nome, esta folha tinha de cair sobre o peito de uma mulher louca.

i am you

Wednesday, July 9, 2008

Summer ice creams

Na mesa de esplanada em frente à minha estão sentadas três mulheres. A mais velha é particularmente feia. Cabelo oxigenado ralo, de lábios extremamente finos de onde o batom vermelho vivo sobra, na tentativa vã de parecerem maiores os finos fios de carne. Nos dedos moram anéis de formas várias entre o dourado e a prata, e no pescoço de peles despregadas, fios de ouro e um terço branco de plástico. Ri, fala e gesticula, conta à vizinha de mesa a novela que acabou de ver. Entre a conversa das duas está a mais nova. De cabelo preto farto, recostada na cadeira branca de plástico, parece nada ouvir. Os seus dedos encaracolam ainda mais uma melena por cima do ombro direito. Olha para cima, para os lados, para todo o lado, menos para elas. Passa a mão para o queixo, onde tenta espremer pontos negros que limpa nas calças justas e brancas. Fixa então o olhar no homem. Adquirem luz os olhos castanhos-escuros grandes. Ele não nota. Na azáfama de levantar chávenas de café, pratos pequenos lascados e garrafas de cerveja, nem repara na existência dela. Quando retorna ao interior do café, ela faz questão de ir pagar ao balcão, levantando-se de pronto, ajeitando a blusa vermelha ruça e endireitando as costas fazendo espetar o peito. Passa por mim e sinto-lhe o perfume barato. Imagino os dois, a passear junto à Ria, comendo gelados de bolas coloridos e ele com a mão sobre o ombro a brincar com a melena dela.

i am you

Tuesday, July 8, 2008

Empata.

No meio de um mar de pernas, a menina sentada no chão chora baixinho. Numa ladainha quase imperceptível, ali está ela, entre joelhos e canelas com metade de uma bolacha Maria numa mão e a outra agarrada à túnica da fêmea. Tenho a sensação de que aquela menina é invisível, que ninguém a vê. Que meramente ali se encontra por acidente. Entre conversas e risos, ali está ela, o ser mais pequeno e frágil do mundo, à espera de um colo, que tarda a chegar ou talvez nem chegue. O calor sufocante faz com que os olhos se cerrem para aclarar a visão. Encontro-me ao mesmo nível daquela menina, sentado no chão. As vozes que me rodeiam ali falam do almoço que já foi, de sangrias e de whisky com gelo. Fala alto o álcool quando ainda corre nas veias. Desfoco os meus ouvidos dali e encontro-me no olhar perdido daquela criança que exaspera agora por atenção. O choro cresceu, a bolacha já não está na mão e dos olhos já inchados não param de nascer pequenas lágrimas que descem pelas bochechas rosadas. Num repente, a fêmea puxa-lhe um braço e com a outra garra desfere uma bofetada numa das bochechas rosadas. O choro amansa talvez à custa da dor, a menina encontra no chão o resto da Maria e volta a saboreá-la juntamente com o ranho que lhe sai do nariz. A fêmea fala de lojas e saídas à noite, de jantares e de praia novamente no dia a seguir. Sobra só aquela menina. Que não deveria estar ali.

i am you

Wednesday, June 25, 2008

Espelhos de Almas

Nos sulcos fincados na pele, nota-se a passagem dos anos. No olhar, a vida que já foi maior, que se perde entre os dias. Todos os dias. Nas fotografias abaixo tentei captar a essência dos olhares, embora numa delas nem os olhos do “objecto” fotografado se vislumbrem, penso que essa ausência, não seja causa digna de relevo, porque aquele olhar continuará numa busca incessante de algo que já não volta. A vida que já não volta.

i am you

Wednesday, June 4, 2008

um Sol de Outono numa manhã de Julho

Arredo uma cadeira e sento-me. E espero que todo este tempo passe. Este punhado de horas que separa a vida do resto. Todo o resto que faz ter medo. Tenho oitenta e sete anos. Da pequena janela de madeira pintalgada de restos de branco onde os bichos-da-madeira já não moram, vislumbro o pequeno pátio que é banhado pelo sol forte dos primeiros dias de Verão. Não tarda mesmo nada para que os risos e gritos dos garotos que por aqui brincam, me preencham os ouvidos já moucos por tantos anos a ouvir tantas e tantas palavras. De raiva, de amor, de ódios, de arrependimentos. Foram muitas as palavras que por estes ouvidos moucos entraram e se alojaram nestes parcos cabelos brancos que restam no cimo da minha cabeça.

No fundo desta sala moram as fotografias daqueles que já foram. Uns porque chegou a hora, outros porque tinham dinheiro a ganhar. Lá fora. Onde de tempos a tempos chega uma imagem de mais um aniversário de um neto, ou de um jantar de Natal sem bacalhau. A última que chegou foi a da nora e do filho encostados ao novo carro que diz nas costas: “talvez para o ano a gente aí vá”.

Haverá para aí uns quatro ou cinco anos que é sempre para o ano…

Cansei-me desta janela, da espera e das malditas fotografias que me puxam as lágrimas aos olhos. Peço por tudo que me leve. Que já vi todas as cores e ouvi todas as palavras. Que já vivi tanto mesmo sem mesmo ter saído aqui do pátio. Minto. Fui a Fátima duas ou três vezes. Pedir por eles. Por aqueles lá estão fora porque tinham dinheiro a ganhar.

Talvez tenham de vir este ano.

i am you

Tuesday, May 6, 2008

freedom?

Partira sem deixar rasto. Nem bilhete, nem saudade. Ela sabia perfeitamente que aquele nunca mais o veria. Tinha sido fruto de um homem difícil de quem nunca gostara. O parto, esse fora doloroso. Não tinha sido o primeiro, nem fora o último, mas isso, ela ainda desconhecia. Desde essa manhã, e em todas as outras que se seguiram prostrava-se à janela do 4º frente do lote F daquele bairro decrépito e nauseabundo, que apenas deixava vislumbrar o fim da rua por onde ele tinha seguido.

Quinze anos. Projecto inacabado de homem com manias de saber. Deixara a casa para calcorrear as ruas de uma cidade que não era sua. Esmola aqui e ali para uma sandes, um desvio de uma mercearia de travessa, uma beata fumada apanhada do chão e assim lá se ia vivendo sem saber se a liberdade era doce ou amarga. Quando as estrelas e, por vezes, a lua gorda se punham no céu deitava-se sobre uns cartões mijados por gatos pardos, e aí sonhava com a voz morna trauteando modas da terra quente, daquela que o parira ao mesmo tempo que lhe afagava a cabeça e dizia ao ouvido que era bonito.

Sentira o primeiro pontapé na boca do estômago, tirando-lhe da cara um esgar de dor. À sua volta seis ou sete pares de botas pretas apresentavam uma dança macabra que lhe iam desfazendo partes do corpo à medida que a violência infligida era proporcional à dor. Da boca saltavam dentes, sentira as costelas estalarem, e num último momento de lucidez lembrara-se dos olhos negros da mãe, tal como da pele preta e do cheiro a moamba que saía do 4º frente do lote F nos almoços de domingo.

i am you

Tuesday, March 18, 2008

Lisboa re-revisited

Lisboa é uma cidade velha, carregada de história e estórias. Sente-se o carisma quando nela se deambula. As fotografias abaixo não são mais do que apontamentos visuais de uma cidade que todos os dias nasce e jaz à beira Tejo.

i am you

Lisboa re-revisited #1


16/03

i am you

Lisboa re-revisited #2



16/03

i am you

Lisboa re-revisited #3


16/03

i am you

Lisboa re-revisited #4


16/03

i am you

Lisboa re-revisited #5


16/03

i am you

Lisboa re-revisited #6


16/03

i am you

Lisboa re-revisited #7


16/03

i am you

Nós


16/03

To S.

i am you

Wednesday, March 12, 2008

homeless dreams

Quase morto, penso que estará o homem que exactamente a três passos de mim jaz no chão.
O sol da manhã que lhe serve de manto, dá-lhe o conforto e o pacote de tinto ao lado abonou o cansaço. Questiono-me no que aquele homem sonha e se sonha. Se sonharão as pessoas que dormem com almofadas de restos de cartão. Reparo que já me encontro ali há uns pares de minutos. Move-se então num gemido surdo, como se de uma queixa se tratasse, vira-se para outro lado. Talvez incomodado pela luz, ou pela vergonha de ter todas as camas de pedra que a cidade lhe der.
Injusto.

i am you

Tuesday, March 4, 2008

o velho que tudo sabe

De olhos nebulosos postos na prata que cobria a ria, o velho deixava queimar entre os dedos um cigarro que a tempos levava aos lábios. O final daquela tarde transpirava tempo quente e húmido que só o Levante traz. No céu, gaivotas gritavam umas com as outras como se de comadres se tratassem. O resto de sol que se escondia a poente pintava o céu já azul-escuro com lâminas de laranja vivo.

Aproximo-me. Encosto-me aos ferros que ladeiam o porto e ali fico. Lado a lado. Pergunto-lhe quando acabará o Levante. Olha-me de soslaio e pede-me um cigarro que saco do maço e lhe passo para as mãos. Tira do casaco de xadrez roçado uma caixa de fósforos grande com marcas de gordura. Puxa então de um e fá-lo roçar na lixa, acendendo-o à segunda. A sua mão de pele encarquilhada e enegrecida pelo tempo transforma-se em concha protegendo o fogo que acende o cigarro. Puxa grandes tragos, exalando o fumo pelas narinas.

Diz-me então que acabará amanhã ou daqui a mais três dias. Pergunto-lhe como sabe. Explica-me que foi assim que o pai o ensinou, que nunca lhe perguntou o porquê. É assim e mais nada.
Afasto-me e sinto que me basta esta explicação. Que ainda haja coisas que não se expliquem.

i am you

Thursday, February 28, 2008

winter sunrise

Sento-me imóvel em frente a ti. Na esperança vã que o teu olhar verde me encontre. Passam-se horas, ou talvez segundos que me parecem longos, demasiado longos. Acordas de um sono imenso, com cara de felicidade reflectida num sorriso único. Percorro toda a sala com o olhar sem mexer sequer um fio de cabelo. Vejo o velho aparador de madeira negra com o adocicado cheiro da cera, o gira-discos vermelho que já não toca músicas tristes francesas, e por fim, o sofá de pele castanha gasta onde te deitaste há tanto tempo que já nem sei.

Sentas-te e procuras-me o olhar, e assim ficamos sem articular uma palavra. Estico o braço tentando alcançar-te a mão. Como se deste movimento dependessem vidas ou até mesmo a própria continuidade da humanidade. Ou, pelos menos nós. Como se dependêssemos disto para respirar.

Ao fundo da sala, a janela aberta de par em par deixa entrar por entre as cortinas translúcidas, o ar impregnado de perfumes do campo que preenchem todo o espaço que nos rodeia. Lá fora, o sol desponta com pressas de crescer, dourando tudo o que envolve.

Toco-te a pele morna, os nossos dedos entrelaçam-se e assim ficam como um todo. Seria agora que as palavras se soltassem umas atrás das outras, mas não. Sabemos que não é necessário, há silêncios que expressam mais que rios de palavras.
Assim ficamos, até sempre.

i am you

Friday, February 22, 2008

twist and turn

No alto do velho prédio mais cinzento do que o céu daquela manhã invernosa, ela abraça-se e assim se mantém não dando pela velocidade vertiginosa dos segundos que caiam um após outro do ponteiro maior do seu relógio. Abaixo, o rio teima em entrar-lhe pela alma adentro, a seus olhos a massa de água raivosa e escura que tudo arrasta, segue o seu rumo até ao grande mar, com que ela sonhou a sua vida inteira. Como se o grande mar fosse a porta para o outro lado. Pelas suas narinas o cheiro próprio da cidade provoca-lhe saudades da meninice, de joelhos esfolados, de papo-secos com manteiga e leite quente com chocolate.
Ele, arrasta os sapatos cansados na calçada gasta da rua, com os olhos colados ao chão parecendo contar as pedras irregulares que os anos teimaram em polir tornando-as escorregadias. Pára junto à porta verde de ferro e vidros partidos do prédio onde a vida já fez mais sentido. Sobe degrau após degrau, sentido por baixo de si o ranger da madeira velha e podre daqueles degraus onde há alguns anos em vez de os tocar, voava sobre eles ouvindo os gritos da velha avó, para ter cuidado, que se matava um dia, que quando o pai da fábrica chegasse lhe dava uma sova.
Sobre as cabeças deles o céu que ameaçava ruir com o peso das nuvens carregadas, começa agora a abrir lentamente. Ele aproxima-se dela e desajeitadamente ata-a com os seus braços pela cintura. Ela, sente o doce cheiro da água colónia de muitos anos e deixa cair a cabeça para trás aninhando-se no peito dele. Neste preciso momento tudo o que os rodeia ganha luz, novas cores, brilhos. Do céu, raios de sol rompem as nuvens e entram pelo rio trazendo de novo o azul que no fundo tinha ficado.
- Para o grande mar, vamos. Sussurra-lhe ele ao ouvido.



i am you

Thursday, January 10, 2008

South Highway #1


stranges concepts of happiness

i am you

South Highway #2


in a road to nowhere

i am you

South Highway #3


little angels playing inside empty hearts

i am you

Friday, January 4, 2008

Tenho a sensação de ter perdido algo. Qualquer coisa que me faz falta. Que dificilmente encontrarei novamente. Será que existe secção de perdidos & achados na vida? Vejo-me diante de um balcão poeirento e atrás de uns óculos quadrados de tartaruga, a velha funcionária pergunta:
- E o local, recorda-se?
Anuo com a cabeça, ao mesmo tempo que da minha boca sai: Foi lá atrás.
- Horas?
-Como?
- A que horas a perdeu? Fazendo olhos pequeninos e contorcendo o lábio superior.
- Não me recordo. Talvez ontem ou a semana passada. Não me recordo…
Baixando a cabeça branca de carrapito ao alto a velha vira-me as costas mastigando palavras surdas. Afasto-me dali e de mãos nos bolsos encaro a rua que é atravessada pelos últimos raios de luz do dia. Ao fundo, vislumbro uma silhueta que os meus olhos conhecem. Acelero o passo. Descubro-a. Quem procura sempre encontra.

i am you

Thursday, December 27, 2007

Reencontro-me nas palavras escritas dos outros. Mais do que em monólogos de grupo. Passamos demasiado tempo em extensos e pesarosos monólogos com os outros. Aprende-se mais em meia dúzia de caracteres impressos do que em inenarráveis horas de conversas, mas o prazer de cuspirmos palavra atrás palavra é quase tão viciante, como os inquietantes jogos de sedução que praticamos ao longo da vida. Jogar palavras fora é quase doentio. É como se, por vezes, fosse inevitável despender todos os agrupamentos de letras que se formam nas mentes de todos nós, e de enxurrada se soltassem num mar por vezes sereno, ou noutras, num turbilhão de fervores e raivas que queimam e ferem. Ou simplesmente omitir. Tudo.
Vou até ali ter com amigos e gozar do prazer de jogar palavras fora.

i am you

Tuesday, December 18, 2007

Percorreram-se cerca de 1500 km entre a manhã de ontem e hoje até ao meio-dia.
Objectivos cumpridos. timings alcançados. Apenas a sensação de não ter visto nada para além de estrada e mais estrada. Alguém conhecido pergunta: "Fotografaste muito?". Digo que não, que nem por isso. Poderia ter fotografado a Serra Nevada, paraíso incontornável de gentes que apreciam a neve e suas subtilezas, mais que não seja para dizerem que por lá estiveram a esquiar. Não deixa de ser irónico a quantidade de pessoas que sabem esquiar em Portugal. País dotadissímo de condições para a prática de desportos de inverno, então a Serra do Caldeirão, um portento. Não tirei uma única fotografia. Ontem, aquando da chegada ao meu destino, soube que do outro lado de um imenso morro se encontrava o Mediterrâneo, fiquei com pena de não o ver, mais do que a Serra Nevada. Espero voltar a Granada. Essa do que vislumbrei parece-me de confiança. E eu que ambicionva a Serra, troco-a agora pela cidade se dela abeira. Granada parece-me de confiança, sem truques ou maquilhagens para criar ilusões. Hei-de lá ir.

i am you

Thursday, December 13, 2007

Encerra-se o ciclo exactamente no sítio onde tudo começou. Que assim seja. E que hoje sejam testemunhas os mesmos astros que ali estiveram no passado.

i am you

Wednesday, December 12, 2007

Talvez por tudo ou por nada. Talvez o vento tenha mudado. Talvez seja isso. Momentos de calmaria no constante rebuliço da vida. "Só se dobra uma vez", foi-me dito em tempos passados. Reconheço que sim. Que se aprende. Mais vale quebrar.

i am you