Tuesday, May 3, 2011

Sertindol life

Sonhaste que eram cinco horas. Cinco horas em ponto quando abriste os olhos e entre as frestas dos cortinados de cetim púrpura já queimados pelo tempo viste o fim da noite. Lá fora a azáfama da rua do bairro velho era ainda branda. Não tornarias a sentir o cheiro desta manhã para o resto da tua vida. Como se pelas narinas entrassem odores que te transportavam ao colo da tua avó preta. Avó preta porque nunca lhe conheceste outra cor. Nas vestes, nos olhos, no terço que a acompanhava, mas principalmente na alma. No dia em que recebeu o telegrama anunciando a morte do filho, a sua alma tornou-se preta, como se num forno a tivessem posto e lá ficasse até enegrecer. Passariam dez minutos até que te levantaste, sentado na borda da cama calcorreaste com os pés o chão de madeira polida sentindo os veios da cera ressequida ao longo de tantas camadas. Encontraste então os sapatos e calçaste-os sem meias. Em frente ao espelho do guarda-vestidos observaste a tua imagem. Completamente despido, apenas de sapatos, tiveste um ataque de riso que te levou às lágrimas. Saíste então como estavas. Fechaste a porta e escondeste a chave no sítio do costume. Debaixo do vaso de barro onde em tempos existiu uma lavanda que perfumava o corredor.

Na rua viste o sol crescer à tua frente, sentiste o calor no corpo.

Na unidade de psiquiatria do hospital da cidade grande, dizia-se que tinhas sido muito rico, que perdeste tudo depois de a teres conhecido. Ela.

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