Tuesday, May 6, 2008

freedom?

Partira sem deixar rasto. Nem bilhete, nem saudade. Ela sabia perfeitamente que aquele nunca mais o veria. Tinha sido fruto de um homem difícil de quem nunca gostara. O parto, esse fora doloroso. Não tinha sido o primeiro, nem fora o último, mas isso, ela ainda desconhecia. Desde essa manhã, e em todas as outras que se seguiram prostrava-se à janela do 4º frente do lote F daquele bairro decrépito e nauseabundo, que apenas deixava vislumbrar o fim da rua por onde ele tinha seguido.

Quinze anos. Projecto inacabado de homem com manias de saber. Deixara a casa para calcorrear as ruas de uma cidade que não era sua. Esmola aqui e ali para uma sandes, um desvio de uma mercearia de travessa, uma beata fumada apanhada do chão e assim lá se ia vivendo sem saber se a liberdade era doce ou amarga. Quando as estrelas e, por vezes, a lua gorda se punham no céu deitava-se sobre uns cartões mijados por gatos pardos, e aí sonhava com a voz morna trauteando modas da terra quente, daquela que o parira ao mesmo tempo que lhe afagava a cabeça e dizia ao ouvido que era bonito.

Sentira o primeiro pontapé na boca do estômago, tirando-lhe da cara um esgar de dor. À sua volta seis ou sete pares de botas pretas apresentavam uma dança macabra que lhe iam desfazendo partes do corpo à medida que a violência infligida era proporcional à dor. Da boca saltavam dentes, sentira as costelas estalarem, e num último momento de lucidez lembrara-se dos olhos negros da mãe, tal como da pele preta e do cheiro a moamba que saía do 4º frente do lote F nos almoços de domingo.

i am you

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