Wednesday, June 4, 2008

um Sol de Outono numa manhã de Julho

Arredo uma cadeira e sento-me. E espero que todo este tempo passe. Este punhado de horas que separa a vida do resto. Todo o resto que faz ter medo. Tenho oitenta e sete anos. Da pequena janela de madeira pintalgada de restos de branco onde os bichos-da-madeira já não moram, vislumbro o pequeno pátio que é banhado pelo sol forte dos primeiros dias de Verão. Não tarda mesmo nada para que os risos e gritos dos garotos que por aqui brincam, me preencham os ouvidos já moucos por tantos anos a ouvir tantas e tantas palavras. De raiva, de amor, de ódios, de arrependimentos. Foram muitas as palavras que por estes ouvidos moucos entraram e se alojaram nestes parcos cabelos brancos que restam no cimo da minha cabeça.

No fundo desta sala moram as fotografias daqueles que já foram. Uns porque chegou a hora, outros porque tinham dinheiro a ganhar. Lá fora. Onde de tempos a tempos chega uma imagem de mais um aniversário de um neto, ou de um jantar de Natal sem bacalhau. A última que chegou foi a da nora e do filho encostados ao novo carro que diz nas costas: “talvez para o ano a gente aí vá”.

Haverá para aí uns quatro ou cinco anos que é sempre para o ano…

Cansei-me desta janela, da espera e das malditas fotografias que me puxam as lágrimas aos olhos. Peço por tudo que me leve. Que já vi todas as cores e ouvi todas as palavras. Que já vivi tanto mesmo sem mesmo ter saído aqui do pátio. Minto. Fui a Fátima duas ou três vezes. Pedir por eles. Por aqueles lá estão fora porque tinham dinheiro a ganhar.

Talvez tenham de vir este ano.

i am you

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